Capítulo 23: A descida ao paraíso distorcido com fritas
A noite era mais escura do que o normal, ou talvez fosse eu que estava começando a enxergar a vida assim — uma mistura de sombras e silêncios que se entrelaçavam, sem deixar muito espaço para a luz. Estava exausta, cansada de tudo. O trabalho, a família, os relacionamentos que se esfarelavam, como com o Judas (porque não havia nome mais apropriado para aquele traidor).
Meus olhos se fixaram no copo à minha frente, um convite para o abismo, e eu aceitei. Enchi meu corpo com tudo o que pudesse entorpecer os pensamentos: papel, majis, álcool, cigarro. Era como se eu quisesse apagar não só a dor, mas qualquer vestígio de mim mesma.
O reggae soava distante, como se estivesse tocando para outra pessoa, em outro lugar. Eu comi muito pouco naquele dia, o que fez com que a mistura ficasse ainda mais potente, mais rápida. Meu corpo começou a ceder, e antes que eu pudesse perceber, fui ao banheiro do bar, tropeçando nas sombras que se formavam em minha mente.
Agarrei a privada como se fosse minha âncora, tentando encontrar firmeza em algo tão escorregadio quanto eu mesma. Debrucei-me para fora, despejando não só meu corpo, mas também tudo aquilo que não conseguia mais conter.
Lá dentro, o mundo começou a girar, até que ele simplesmente... parou.
Desmaiei. E nesse momento, me vi em outro plano, ou pelo menos parecia outro lugar. Pequenos anjinhos, com asas desordenadas e um toque de sarcasmo, tentavam me levantar. Eles riam entre si, comentando, "Nossa, como ela está pesada!". Eu, lá do fundo da inconsciência, me perguntava se aquilo era real ou só mais um efeito das drogas.
Mas então, uma força crua e mundana me arrancou daquele sonho bizarro. Chutes. Mulheres no banheiro, me despertando à base de pontapés. Despertei por um instante, abri os olhos, e depois desmaiei de novo.
Os anjos sussurraram: 'Precisamos levá-la!' Mas para onde? Para qual lugar eles queriam me arrastar? O plano superior, talvez? Naquele momento, me perguntei se esse seria meu fim trágico-cômico: agarrada à privada, envolta na sujeira física e mental que eu mesma havia criado.
Minha vida realmente desfilou diante dos meus olhos, como dizem que acontece nos instantes antes da morte. E era exatamente isso que eu queria: o doce e efêmero desejo de desaparecer, de me dissolver na escuridão. E o meu fascínio pela senhora Dona Morte.
Quando finalmente consegui me levantar, abri a porta como se fosse a saída para outro mundo. A música ainda tocava. Fui até a mesa mais próxima, sentei e o rastaman me deu fritas. Porque, afinal, o que mais você poderia fazer depois de quase morrer no banheiro de um bar de reggae?
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