Capítulo 55: Renascimento no Caos
No que me transformei? O que escolhi? Escolhi não ver, escolhi me esconder. Me esconder de mim mesma, fingir saber, fingir que não tinha condições suficientes. Me importar além do que deveria com coisas que não mereciam tanta atenção e ver a realidade dolorosa de uma criança gritando em pânico, de uma adolescente apavorada com o futuro, e de uma adulta cheia de certezas e soberba. Segurando tudo sozinha, porque algumas dores simplesmente não têm explicação. E, mesmo que eu, como escritora, pudesse sintetizar os movimentos da consciência, falar sobre os sentimentos sempre foi algo mais complexo.
O grande Saturno retornou à minha vida agora. Sem dó, sem piedade. E me trouxe as consequências de todas as minhas ações: a falta de responsabilidade, de compromisso comigo mesma, a falta de sabedoria para lidar com a dor. Convivi tanto com ela que se tornou minha amiga, minha parceira. Encontrei um jeito fascinante de justificá-la, de torná-la a dominadora das minhas atitudes e ações.
Dei a ela o protagonismo. Coloquei-a junto às minhas fugas, anseios e medos da realidade. Agora, os rastros dessas fugas vieram me atormentar. Mas estou aqui, mesmo com dor, cheia de humildade para reconhecer que errei. Que me tratei como uma arma nociva e perigosa, sempre buscando maneiras de me destruir. Vivi nesse esgoto mental, como uma ratazana que aceita a mentira, que aceita a ilusão. Que se acostumou ao caos porque não soube viver de outra maneira. Reativa, cheia de ira e mágoas, peguei tudo de pior em mim e usei contra mim mesma. Fui minha própria pior inimiga, o pior espírito obsessor com quem convivi: eu mesma.
Tive que encarar a dolorosa realidade de que vivi como uma criança ao longo desses anos. Que fui uma adolescente conturbada. Que busquei os lugares e as pessoas erradas. Que aceitei o lixo. Aceitei o que achava que merecia, só para confirmar meu lugar de rata, de pobreza mental, de falta de perspectiva. Não enxerguei a realidade pelo que ela é... Cruel, implacável, que não poupa ninguém quando somos confrontados com ela.
Mas a coragem de mudar, de me ver nua, de estar presente comigo mesma, de aceitar minhas sombras, dúvidas e falhas... me mostrou uma força enorme para me reerguer, para mudar, para melhorar. Para aceitar essa realidade dolorosa e nada fantasiosa, cheia de contos bem narrados e doses homeopáticas de mais dor e ilusão.
No entanto, o verdadeiro processo de mudança exige mais do que a simples consciência de nossos erros. Mudança não acontece apenas pela intenção ou pelo desejo de ser diferente. Ela exige ação concreta, bases sólidas, e um comprometimento diário com aquilo que se busca transformar. Não se trata de um ato heroico ou momentâneo, mas de uma batalha silenciosa e contínua. Porque mudar requer esforço constante, paciência, e uma aceitação madura de que cair faz parte do percurso. Há dias em que o progresso parece inexistente, e é nesses dias que o compromisso real com a mudança é testado.
Para além da coragem de me ver como sou, é necessário cultivar disciplina e responsabilidade. A mudança não pode estar ancorada apenas em sentimentos ou em desejos temporários de melhora, mas deve se construir sobre ações repetidas, um tijolo de cada vez. Preciso estar ciente de que reerguer-se é um processo, que demanda tempo e resiliência. E, mais importante, a mudança real acontece quando nos responsabilizamos por cada pequeno passo – mesmo os mais insignificantes.
Por mais doloroso que seja olhar para esse esgoto de ilusões, é apenas ao enfrentá-lo com consistência que posso limpá-lo. A coragem é o primeiro passo, mas sem uma base sólida, sem um plano de ação, sem dedicação genuína, tudo cai no vazio. Preciso me comprometer com o caminho que escolhi, sabendo que ele não será rápido, não será fácil, mas que será real. E essa realidade, por mais dura que seja, é o único terreno onde mudanças verdadeiras podem florescer.
Agora, estou disposta a escutar, a falar, a sentir, e realmente me entregar a esse caminho. Não há atalhos para a transformação real. Ela é construída com trabalho árduo, com enfrentamento, e com a firmeza de quem entende que cada tropeço é uma oportunidade de aprendizado. E mesmo que as sombras permaneçam, sei que a luz que trago comigo pode, aos poucos, dissipar a escuridão. Estou mais capacitada, mais orientada, e pronta para arrumar essa bagunça, para limpar esse esgoto de ratazana, de pequenez, de falta de atitude e de consciência.
Coragem é olhar para as próprias malezas, para as próprias falhas, e ter a humildade de se reconstruir com base firme, dia após dia. É assim que me jogo ao desconhecido, mais forte, mais sólida e mais sóbria. Agora, não há espaço para desistência. Há, sim, espaço para trabalho contínuo, para paciência, e para a certeza de que, por mais longo que o caminho seja, ele é o único que me levará ao que é real.
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