Aniversário de sobriedade

Viciada em paixões e ilusões. Encarar a vida sóbria e crua me fez ver as experiências e a mim mesma de maneira interessante. Não existe mais band-aid. Não existe mais como tapar o machucado. Existe a minha alma, machucada, faminta, indiscutivelmente ferida em diversos pontos. Ela estava exausta de fugir. De tampar os buracos e vazios com doses de álcool, a psicodelia, da erva, o encanto do desejo momentâneo.

Hoje é meu aniversário de sobriedade. A ratazana foi queimada viva diante dos meus olhos. Aquele espírito obsessor que busca migalhas, que busca o podre, o farelo das emoções. Que é nojento! Esse asco que rondava a minha volta, e que eu mesma alimentava com minhas desculpas esfarrapadas. Uma pior que a outra. Tão burras que nem sei como acreditei nelas por tanto tempo. Na realidade, o fato é que nunca acreditei. Mas a dor era tanta que, ao encarar aquilo, senti um despertar de ódio contra tudo o que remetia a essa ratazana.

Um musgo se formou após a limpeza no astral. Ele invadia a minha mente como um monte vicioso de sujeira que eu mesma me permitia receber. Eu me via como uma rata, cheia de feridas, andando pelo esgoto, sentindo o cheiro do desgosto da minha linhagem, que tanto se esforçou para me tirar dali.

O desprazer parecia mais racional no meu momento de morte. Eu matei essa ratazana. Matei esse ar nojento de carências, essa necessidade de buscar farelos de migalhas, essa ânsia de ilusões. Essa queda ao buraco. Sempre tive, por bem ou por mal, a percepção da realidade. E talvez isso tenha me feito querer fugir. Como poderiam os homens ser tão maus? Como poderiam as pessoas ao meu redor ser tão mentirosas e falsas? Como aguentavam tamanha sujeira de si mesmas?

Porque fomos ensinados a sermos ratos. A não questionar, a nos contentar com pouco, a caçar farelos. A entrar no esgoto e festejar a nossa sujeira interna. Colocamos nossas capacidades debaixo do tapete, fingindo que não podem ser mais do que são, porque não conseguimos esconder nossa verdadeira face.

A sobriedade me fez ver a vida como ela é. A verdade sobre nós: somos doentes! Em busca de cura, nos comportamos como adolescentes incansáveis atrás de um afago para a dor da falta de ação. Buscamos tanto o que não merecemos que, encarar isso de frente, é uma dor horrível para a alma. Descobrir que o grande culpado de suas frustrações, culpas e fracassos é você mesmo. Que o alimento desta ratazana é você quem dá.

E tolera, porque não acredita que pode ter mais. Não acredita que pode sair do esgoto. Uma visão limitada, trazida por aqueles que nos criaram, fascinados por prazeres efêmeros, loucos por atenção. Fugindo das nossas feridas de rejeição e abandono, esperando que ideologia, religião, amor, família, amigos ou doses de qualquer coisa completem o buraco dentro de nós.

Agimos como adolescentes com mais de 30 anos, esperando soluções fáceis. Esperando que magias nos coloquem onde queremos estar. Esperando que a vida nos devolva a vontade de ser.

A droga só me roubou tudo o que eu via. Só me colocou na sujeira. Nunca me ofereceu nada além de doenças mentais. Nunca me deu amigos, histórias ou paixões. Só me iludiu, fascinando-me por anos, até eu perceber.

Ser o que é, é difícil, é árduo. Quando dizem de boca cheia o que seria melhor para você, sendo que nem eles mesmos sabem. Bater no peito e ter a potência de não ultrapassar seus próprios limites, honrar suas escolhas. Decidir sair do esgoto mental, físico e emocional.

Que difícil, que crescimento doloroso.

Mas, neste aniversário de sobriedade, eu ganhei o maior presente de mim mesma: amor! Amor real. Acolhimento com minhas resistências, com meus apegos, com minhas quedas. Recebi mais racionalidade e clareza mental. Agora não existem tantas paranoias. Agora não existem tantas vozes mentais. Agora só existe o que é. Eu, envolvida comigo mesma. No presente! Digna de respeito, de limpeza das toxicidades, do fanatismo, da obsessão. Do trabalho mal pago, da ingratidão.

Aqui estou, sóbria, muitas vezes fria, mas ainda acreditando que o mundo pode e deve ser melhor. E por quê? Porque fiz isso com o meu mundo interno!

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