Noiva em fuga
Que belo espetáculo. Lá estava eu, cumprindo a pressão social com ares de dignidade.
Era isso que eu queria, não era? Estar vestida para me "tornar" uma mulher completa. Ou seria uma mulher domesticada? Será que, com aquele vestido de rendas sufocantes, eu finalmente conseguiria me enxergar além do que eu deveria ser? Ou só afundaria mais na farsa?
O aroma enjoativo das rosas amarelas me abraçava no buffet, misturado ao doce sufocante das margaridas, quase me fazendo vomitar. Era um grande salão—repleto de margaridas, lírios, tulipas, gérberas, e folhagens tão verdes e ricas que quase brilhavam de tão perfeitas. Tudo exalava beleza e harmonia, mas dentro de mim só ecoava uma palavra: desespero.
Aquilo parecia tão errado.
E era irônico, porque eu já deveria estar acostumada a essas cerimônias. Afinal, quantos casais radiantes eu já não fotografei, cheios de alegria e promessas de felizes para sempre? Mas agora, era a minha vez e eu me sentia como um animal em uma gaiola dourada. Perdida. Vazia. Incapaz de entender por que, exatamente agora, esse sentimento me consumia. Afinal, não era isso que eu sempre quis?
Os arcos brancos enfeitados com flores me transportaram à infância. Me lembrei das estruturas simples do quintal de casa, dos quadrados onde eu desenhava futuros tão diferentes deste aqui. A banda começou a se posicionar enquanto mulheres ajeitavam morangos cobertos de chocolate nas mesas. Tudo estava perfeito demais. Calmo demais. O salão tinha cheiro de lavanda, uma tranquilidade inquietante, uma mentira bem contada de "felicidade eterna."
O pior era a trilha sonora: George Michael e baladinhas dos anos 80. Meu Deus, que tortura refinada.
Eu precisava de uma saída. Agora.
Procurei, quase tropeçando no vestido branco horrível, cheio de rendas que pareciam teias de aranha e frufrus que mais pareciam piada. Aquilo era o cúmulo da convenção. Eu odiava cada detalhe, cada laço, cada "perfeição." Era como se cada elemento gritasse na minha cara que eu estava sendo empurrada para o papel de mulher civilizada, domesticada, domada. Meu sonho adolescente de romance havia se tornado um pesadelo em tempo real.
Enquanto eu tropeçava em plantas e folhagens, com o vestido se enganchando em tudo, me ocorreu: e se fosse uma mentira? E se isso fosse o final triste de todas as minhas rebeldias? Eu era a que questionava tudo, a que não queria ser laçada. Mas ali estava eu, presa num vestido apertado e num papel que não pedi.
Minha ancestralidade me invadiu a mente: minha vó suprema, as mulheres da minha linhagem que sobreviveram sem receitas, sem normas. Eu senti cada uma delas em mim, como se gritassem para eu acordar.
E foi exatamente o que fiz. Comecei a fugir.
Corria entre as plantas, derrubando as folhagens. Tropeçava como uma bêbada, tonta, tentando escapar de algo que parecia inevitável. Era um episódio surreal do fim da minha solitude, o colapso final da minha liberdade.
Até que tropecei nos arcos enfeitados e caí, de maneira quase cinematográfica.
Foi aí que acordei.
Ainda viva. Ainda comigo mesma. Graças a Deus.
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