Vaga-bunda

Eu permaneço em silêncio, porque há palavras que só o vazio consegue dizer. E na ausência de som, a verdade ecoa: nunca houve amor de verdade, nunca houve o sentir profundo que me prometiam seus olhos.

Eu era um troféu na sua prateleira de conquistas, uma prova da sua habilidade de se sentir capaz, não comigo, mas através de mim. Agora, ao olhar suas nuances, percebo que o que existia era dor disfarçada de cuidado. Você se vestia como um herói, mas no fundo só buscava salvar a si mesmo.

A maior mentira foi o que você chamou de amor. Era controle, era desejo de moldar. Meu jeito de falar, minhas roupas, meu passado, meus vícios — tudo precisava ser refeito, ajustado à sua medida. Nada era suficientemente verdadeiro aos seus olhos.

E ainda assim, quem mentiu não fui eu. Foi você, que me fez acreditar que cuidar de mim era amor, quando nunca foi. Sempre foi sobre você. Sobre suas feridas, suas inseguranças, seu medo de enfrentar o que escondia dentro de si.

Você projetou em mim sua busca por redenção, mas cada palavra dita vinha com o peso de uma sentença. Vagabunda, você dizia em silêncio, enquanto mandava mensagens sobre amor e compaixão. Irônico, não? Falar de redenção quando a condenação era seu idioma preferido.

Passei muito tempo acreditando nas suas promessas, achando que elas tinham alguma verdade. Mas agora vejo que só alimentava sua necessidade de ser o salvador de almas quebradas.

A verdade é que quem jogou fora esse amor foi você. Não importava o quanto eu tentasse; você nunca me quis de verdade. Você queria uma ideia, um reflexo, algo que preenchesse seu vazio.

E agora, com sua tentativa de reconexão, só consigo enxergar o quão cruel pode ser esse disfarce de pacificador. Você rezou por mim? Talvez por medo, talvez por culpa, talvez porque não sabia lidar com a verdade que evitava encarar: que o amor nunca esteve ali.

No fim, fui eu quem teve o coração partido de maneira irremediável. Mas não vou mais carregar isso. Suas manipulações e distorções não me definem.
Dessa vez, eu me despeço do peso que nunca foi meu. Que a culpa volte ao lugar de onde veio, porque não sou eu quem deve guardá-la.

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