A combustão do não-ser
Tenho estado em ebulição, uma urgência latejante com a vida. Sem rimas, sem lirismo. A parte que me coube foi suportar o insuportável, porque talvez a anestesia da calma seja um tédio ainda maior. E se algo me fosse cobrado, pagaria noutra existência—devedora de normas, refém de condutas.
Cansei de ser escolhida pelos olhos alheios, de ser medida, validada, selada como pertencente. Mas a que preço? Um eco eterno dentro de mim.
Olhei para a lua rubra e ela fervia como meu sangue. Então ardi, incendiei-me como o próprio sol. Dissociei. Rasguei os protocolos da conduta. Não quero mais caber. Não quero mais moldar, superar, ajustar-me ao encaixe ilusório de uma melhora perpétua.
Abandonei os dogmas modernos da existência e encontrei apenas cacos—tão distantes da projeção que fazem de mim. Despedaçada, incômoda, intragável. Uma dissidência ambulante, mal-amada por princípio.
Talvez o amor seja só uma miragem, e aceito esse incêndio interno porque prefiro a combustão à enfermidade. A doença do julgamento, essa praga humana de ditar caminhos como se soubesse o que há de correto para ser dito. Quanta pretensão, quanta falácia.
Vesti máscaras de mil rostos e nenhuma me coube. Não encontrei meu lugar, senão nos labirintos das minhas próprias falhas. Nos cantos sombrios do medo e da hesitação. Mas a engrenagem exige que me ocupe de algo. Qualquer coisa. Que simule ser alguém.
Seja pelo dinheiro ou pela eterna insatisfação. Pelo desejo que nunca se esgota. Pela promessa vazia de salvação com os joelhos esfolados. Pela ilusão de propósito que se apaga como um fósforo aceso no vento.
Sim, estive em sobrevivência. A vida inteira. Lutando contra tudo que um dia reneguei para ser aceita. Empanturrando-me de caos porque, ao contrário de tantos, ao menos assumo minha bagunça. Assumo minhas contradições, pois são elas que me sustentam nesta existência.
Imperfeita. Exemplo de nada e de ninguém. Disruptiva por natureza, amante da contramão. Não vim ao serviço dos mortos, mas são eles que me acompanharão no fim.
Não me curvo à doença moderna de um mundo intoxicado pela própria certeza. Deixem-me. Deixem-me gritar e sacudir a poeira da efemeridade. Aqui não há coragem suficiente para despir-se de si mesmo.
E eu até entendo. Porque até eu me cansei de me descobrir. De percorrer essa aventura absurda que é ser eu.
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