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Mostrando postagens de março, 2025

No dedilhado dele

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No dedilhado dele, eu me desfazia, desnudada de mim. Como podia me arrastar para dentro de seus sons sem sequer me tocar? Um feitiço invisível, um chamado irresistível. A boca desenhava promessas no ar, a língua falava segredos que eu só poderia decifrar em silêncio. O grave do seu baixo reverberava em minha pele, um comando sem palavras, uma potência que me dobrava sem resistência. E eu, perdida e entregue, voltava a viver ali, no pulsar da sua música. Eu dizia—e ainda digo—que o baixo toca o coração. Mas por que o universo escolheu justo você para tocar o meu? Fantasioso, platônico, como deve ser uma paixão que se alimenta do inalcançável. Sua dança no instrumento era um convite à vertigem. Eu queria ser aquela curva, aquela corda. Lamber sua alma com os olhos, pois seu olhar hipnotizou o caos dentro de mim. E então, sua água me trouxe de volta à terra. Ainda respiro, ainda ardo. Com seus dreads como raízes no vento, com seu ritmo embalado em doçura e tempestade. Eu, um e...

Sou numa noite, espectro.

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Não sou do seu clã. Não caibo aqui. Nem ali. Sou um espectro entre mundos, um esboço desalinhado no traço fino da conveniência. Não vim para caber no seu suposto querer. Sou do toma lá, dá cá—mas minhas moedas são farpas e meus trocos, facas cegas. Não mereço seu tempo, seu olhar... Muito menos sua disposição. Meu reflexo nem sequer vale o espelho em que se deforma. Nunca vali. A fuga sempre me seguiu como sombra leal, sussurrando promessas de esquecimento. Se não corro, afundo. Se fico, me afogo. Melhor ir, antes que me entupa de ilusões baratas vestidas de amor, esses trajes de segunda mão que sempre caem mal no corpo da verdade. Nasci com uma navalha entre os dedos, aparando excessos, cortando sentimentos envenenados. Separando a carne podre da fantasia romântica. Mas quem sou eu? O que são minhas palavras, senão ecos surdos de um pedido de socorro que ninguém ouve? Buscando o salvador da minha pátria. Buscando o salvador da minha libido, soterrada sob camadas de ódio e medo. D...

Elementar Natural

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A brisa me leva como um friso leve da existência. O vento, impalpável e feroz, revela a potência do invisível. Nas minhas tempestades – chuvas, trovões – me encaixo nas rachaduras da vida, sou sopro e fúria, força ensurdecedora que impõe respeito. Como Mainha, sou transformação, sou transmutação. Oh, dona dos ventos, rainha dos raios, sigo teu rastro. No mar, me acolho. Me dissolvo no oceano cósmico. No princípio de tudo, no fluxo pulsante da química da criação. Admiro sua cor, sua grandiosidade, sua transparência que engana, seu temperamento indomável. Leveza, destreza, um movimento único, arrepiado pelo vento. No mar, me deixo levar. No mar, me encontro no lar. Na terra, encontro firmeza. Seu cheiro invade minha alma. Ela cuida, nutre, se entrega sem reservas. Me extasio em sua lama viva, que pulsa, renova, recria. Diante dela, sou pequena, um bebê diante do grande ancestral. As árvores crescem, silenciosas, mas cheias de sabedoria, raízes profundas, braços erguidos, se...