A travessia do sentir

A vida, tantas vezes, me atropela com acúmulos — de lutos, de pausas forçadas, de finais que não pedi.
E mesmo quando o tempo insiste em seguir, há emoções que esticam seus tentáculos até a pele da alma, e a tocam com uma intensidade que nunca soube manejar.

Senti demais.
E no excesso, me afundei na apatia — como quem deseja, secretamente, sentir um pouco menos para, enfim, sobreviver.

Pedi aos céus um descanso da minha própria sensibilidade. Umas férias da alma. Um exílio voluntário do que sou.

Ali, onde me refugiei, encontrei um espelho: um reflexo de todas as incongruências que carreguei ao longo da vida. A menina rebelde, que gritava por controle, agora silencia diante da mulher que entende o valor do desapego.

Ele foi o último vendaval. Um amor turvo, entre o apego e a destruição. Ele me feriu em lugares onde ninguém havia chegado — sem filtros, sem freios, sem cuidado. Um homem que, talvez, nunca tenha aprendido a amar uma mulher… ocupado demais tentando sobreviver à sombra da própria mãe.

E eu, que me interpretava lua, descobri que o ciclo não precisava se repetir. Que suas atitudes cortantes foram, sem querer, meu chamado à lucidez.

Hoje, minha tristeza não me devora mais.
Ela me visita.
Me ensina.
E vai.

Estou livre de um looping de caos e morte — porque entendi que a morte não é fim, é linguagem.
A morte é o lado avesso da vida, e viver, enfim, é aceitar esse vai e vem.

Vi de perto meu medo da morte. Toquei nele com minhas mãos cansadas, e percebi: não é o fim que me assusta, é a interrupção do sentir. Mas agora, a alma quer subir o Monte Sião. Não por dever, mas por desejo.

Uma alma imensa, que andou por desertos, subiu colinas de dor, e voltou com histórias que um dia serão contadas àqueles que souberem esperar. O sentir em excesso virou silêncio. Virou pausa. Virou espaço para um novo amor por mim mesma.

Agora, limpo meu coração com paciência. Com palavras doces. Com a delicadeza que me neguei por tanto tempo. Foram camadas, foram quedas. Mas o tempo, aos 35, me empurra para uma nova forma de viver: mais madura, mais serena, mais consciente.

Talvez, enfim, eu esteja aprendendo a amar de novo.
Mas agora… com verdade.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cartas de amor para um desconhecido

O homem comum

Olhos para ver