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Mostrando postagens de outubro, 2025

A bobagem de amar

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O que poderia ser mais idealista? Cheia de sonhos de você — mexida até a sola do pé pela sua presença, pelo seu cheiro, pelo seu carisma. Rodeada por um sonho platônico de retomada, de paixão, de amor à flor da pele. Cercada pela sua sombra e pela sua luz, coberta por motivos que não têm razão. Talvez esse seja meu pecado: não ter, de início, a sabedoria para lidar com o amor. Mas o amor é assim — meio sem sentido — quando o olhamos além do nosso ego e das feridas magoadas do passado. Será que eu poderia voltar a amar sem as marcas da alma? Será que você poderia não vê-las como tudo o que sou? Será que você conseguiria acolher essas dores que não são sobre você — são sobre o mundo, sobre a vida, sobre o fato de que as coisas, quase sempre, não são como queremos? E eu queria tanto você. Impregnado em mim, na sua perturbação completa, no seu olhar cansado de ver a vida — mas com o carinho de quem ainda acredita. Acredita no bem, na fé, nesse sentimento tão sem sentido e, ainda as...

Vida no sono

Sinto o cheiro da minha gata. Inacreditavelmente, ela nunca tomou um banho — a não ser ao se lamber durante um longo tempo — e, mesmo assim, é extremamente cheirosa. Com minha respiração profunda, buscando o alicerce do sono, sinto as molas da cama assoviarem a cada movimento da minha barriga. Morgana estava ronronando, o que sempre me desperta para um som tranquilizante e meditativo. Percebo meus olhos, minhas mãos, e sinto a vida surgindo dentro de mim como um sentimento. Não tem uma voz, não tem um escutar — é apenas um sentir. Volto a perceber a posição da minha cabeça no travesseiro, com meu novo corte de cabelo. O bebedouro da gata fazia um barulho de água caindo. Apareceu um vizinho ouvindo música em seu velho radinho. Se me atentar à escuta ativa, consigo ouvir os carros na estrada. Consigo até chutar a sua velocidade. A cidade anoitece e vive, de certa forma. E o silêncio me encontra. Há quanto tempo fico sem me manter em silêncio? Desde quando as vozes da minha cabeça deci...

Carta de Despedida

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Quem sou eu, senão mais um número? Apenas mais uma cláusula de um contrato? Quem sou eu na fila do pão? A descartável que se viu diante do muro — de um lado, os opressores; do outro, os oprimidos chorando por dignidade básica, tentando sobreviver além do óbvio. Penso na música dos Racionais: “ O cheiro é de pólvora, eu prefiro rosas E eu que, e eu que sempre quis com um lugar Gramado e limpo, assim, verde como o mar Cercas brancas, uma seringueira com balança Disbicando pipa, cercado de criança ” Mas até isso parece distante, quase um sacrifício inalcançável para o cidadão comum. Mais uma vez enxergamos as correntes em nossos pés — vendemos a alma ao Diabo, vestido de Gucci e Prada. Com colares banhados em sangue indígena e sorrisos cobertos por brilhos impostos pela estética. Será que me vi diferente disso tudo? Num mundo onde o valor do ser humano virou mera casualidade? Onde as premissas religiosas cegam até os mais bem-intencionados? Ficamos parados olhando o céu, suplicand...