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A bobagem de amar

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O que poderia ser mais idealista? Cheia de sonhos de você — mexida até a sola do pé pela sua presença, pelo seu cheiro, pelo seu carisma. Rodeada por um sonho platônico de retomada, de paixão, de amor à flor da pele. Cercada pela sua sombra e pela sua luz, coberta por motivos que não têm razão. Talvez esse seja meu pecado: não ter, de início, a sabedoria para lidar com o amor. Mas o amor é assim — meio sem sentido — quando o olhamos além do nosso ego e das feridas magoadas do passado. Será que eu poderia voltar a amar sem as marcas da alma? Será que você poderia não vê-las como tudo o que sou? Será que você conseguiria acolher essas dores que não são sobre você — são sobre o mundo, sobre a vida, sobre o fato de que as coisas, quase sempre, não são como queremos? E eu queria tanto você. Impregnado em mim, na sua perturbação completa, no seu olhar cansado de ver a vida — mas com o carinho de quem ainda acredita. Acredita no bem, na fé, nesse sentimento tão sem sentido e, ainda as...

Vida no sono

Sinto o cheiro da minha gata. Inacreditavelmente, ela nunca tomou um banho — a não ser ao se lamber durante um longo tempo — e, mesmo assim, é extremamente cheirosa. Com minha respiração profunda, buscando o alicerce do sono, sinto as molas da cama assoviarem a cada movimento da minha barriga. Morgana estava ronronando, o que sempre me desperta para um som tranquilizante e meditativo. Percebo meus olhos, minhas mãos, e sinto a vida surgindo dentro de mim como um sentimento. Não tem uma voz, não tem um escutar — é apenas um sentir. Volto a perceber a posição da minha cabeça no travesseiro, com meu novo corte de cabelo. O bebedouro da gata fazia um barulho de água caindo. Apareceu um vizinho ouvindo música em seu velho radinho. Se me atentar à escuta ativa, consigo ouvir os carros na estrada. Consigo até chutar a sua velocidade. A cidade anoitece e vive, de certa forma. E o silêncio me encontra. Há quanto tempo fico sem me manter em silêncio? Desde quando as vozes da minha cabeça deci...

Carta de Despedida

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Quem sou eu, senão mais um número? Apenas mais uma cláusula de um contrato? Quem sou eu na fila do pão? A descartável que se viu diante do muro — de um lado, os opressores; do outro, os oprimidos chorando por dignidade básica, tentando sobreviver além do óbvio. Penso na música dos Racionais: “ O cheiro é de pólvora, eu prefiro rosas E eu que, e eu que sempre quis com um lugar Gramado e limpo, assim, verde como o mar Cercas brancas, uma seringueira com balança Disbicando pipa, cercado de criança ” Mas até isso parece distante, quase um sacrifício inalcançável para o cidadão comum. Mais uma vez enxergamos as correntes em nossos pés — vendemos a alma ao Diabo, vestido de Gucci e Prada. Com colares banhados em sangue indígena e sorrisos cobertos por brilhos impostos pela estética. Será que me vi diferente disso tudo? Num mundo onde o valor do ser humano virou mera casualidade? Onde as premissas religiosas cegam até os mais bem-intencionados? Ficamos parados olhando o céu, suplicand...

Fagulha estelar

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Fui partida em pedaços, dividida em metades gerais, como se a cura nunca me fosse permitida. Talvez eu devesse ser menos generalista com a doença que confunde meu discernimento e me arrasta para os julgamentos alheios. Não consigo identificar as fumaças tóxicas das relações; sempre me desfaço em contradições, afogada na decepção com os outros — e comigo mesma. O que eu poderia confessar à terapeuta? Que a angústia me acompanha desde a infância, desde os primeiros sopros da vida. Que cedo senti o vazio se instalar dentro de mim, um oco que nunca se preencheu. Que sempre me percebi desalinhada, desajustada, um corpo intruso em um mundo sem sentido. Passei anos tentando dar significado à minha existência, me agarrando a frases feitas que só enfeitavam minha superficialidade. Mas a profundidade, o mistério, o subconsciente... eles sempre voltavam para me buscar. Em sonhos, em percepções súbitas, em vozes que ecoavam durante as noites em que me embriagava. Eu vi — com meus próprios olh...

The doll people

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The doll people are not men They are made of ass and glass Our skin is clay and painted blue Our head can detach We are statues with a pulse We are art you can fuck The doll people are quiet What is there to say? Art does not interpret itself There are men with a day to save We are paintings with legs We are art you can fuck Drink the dolls Legs spread like butter We are wife, whore, mistress, maid, mother The beauty and the buyer, take the screaming one because A woman who doesn't want it is much hotter than one that does Wife, whore, mistress, maid, mother Wife, whore, mistress, maid, mother The doll people are alive! Or so they say You can never trust Never trust the art these days To be admired takes precedence over admiring To be desired takes importance over desiring Drink the dolls Legs spread like butter We are wife, whore, mistress, maid, mother The beauty and the buyer, take the screaming one because A woman who doesn't want it is much hotter than one that does Paint ...

Sufoco em lençóis de linho fino e largo

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Sufoco em lençóis de linho fino e largo. Fui vendida pelo diamante do sangue. Arrastada por essa Matrix que suga até a última gota, até o último suspiro de quem ainda insiste na ilusão do temporário — e na urgência de não desfrutar, nessa ignorância tão incrivelmente vestida de verdade. Estar aqui, na Terra, é calçar uma calça apertada demais. É prender o ar no peito pra caber no molde. É estar enforcada por dentro, içada por ganchos invisíveis, mexida até a última dor de existir. Mas... que vida é essa? A vida que só vê o brilho do ouro nos dentes, e não enxerga o que realmente importa. Jogada, amarga, completamente só. Só eu posso resolver meu pequeno e humano dilema. Enquanto tantos sangram por falta de um olhar, de um toque, de um “eu te vejo”. Em montanhas, tento alcançar a Lua — um desejo quase real, quase ridículo. Porque a maior ilusão é o sonho da Terra. E eu sei que, em outros paralelos, eu voo. Encanto flores. As árvores conversam comigo. Os pássaros canta...

A travessia do sentir

A vida, tantas vezes, me atropela com acúmulos — de lutos, de pausas forçadas, de finais que não pedi. E mesmo quando o tempo insiste em seguir, há emoções que esticam seus tentáculos até a pele da alma, e a tocam com uma intensidade que nunca soube manejar. Senti demais. E no excesso, me afundei na apatia — como quem deseja, secretamente, sentir um pouco menos para, enfim, sobreviver. Pedi aos céus um descanso da minha própria sensibilidade. Umas férias da alma. Um exílio voluntário do que sou. Ali, onde me refugiei, encontrei um espelho: um reflexo de todas as incongruências que carreguei ao longo da vida. A menina rebelde, que gritava por controle, agora silencia diante da mulher que entende o valor do desapego. Ele foi o último vendaval. Um amor turvo, entre o apego e a destruição. Ele me feriu em lugares onde ninguém havia chegado — sem filtros, sem freios, sem cuidado. Um homem que, talvez, nunca tenha aprendido a amar uma mulher… ocupado demais tentando sobreviver à sombra da ...