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Sufoco em lençóis de linho fino e largo

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Sufoco em lençóis de linho fino e largo. Fui vendida pelo diamante do sangue. Arrastada por essa Matrix que suga até a última gota, até o último suspiro de quem ainda insiste na ilusão do temporário — e na urgência de não desfrutar, nessa ignorância tão incrivelmente vestida de verdade. Estar aqui, na Terra, é calçar uma calça apertada demais. É prender o ar no peito pra caber no molde. É estar enforcada por dentro, içada por ganchos invisíveis, mexida até a última dor de existir. Mas... que vida é essa? A vida que só vê o brilho do ouro nos dentes, e não enxerga o que realmente importa. Jogada, amarga, completamente só. Só eu posso resolver meu pequeno e humano dilema. Enquanto tantos sangram por falta de um olhar, de um toque, de um “eu te vejo”. Em montanhas, tento alcançar a Lua — um desejo quase real, quase ridículo. Porque a maior ilusão é o sonho da Terra. E eu sei que, em outros paralelos, eu voo. Encanto flores. As árvores conversam comigo. Os pássaros canta...

A travessia do sentir

A vida, tantas vezes, me atropela com acúmulos — de lutos, de pausas forçadas, de finais que não pedi. E mesmo quando o tempo insiste em seguir, há emoções que esticam seus tentáculos até a pele da alma, e a tocam com uma intensidade que nunca soube manejar. Senti demais. E no excesso, me afundei na apatia — como quem deseja, secretamente, sentir um pouco menos para, enfim, sobreviver. Pedi aos céus um descanso da minha própria sensibilidade. Umas férias da alma. Um exílio voluntário do que sou. Ali, onde me refugiei, encontrei um espelho: um reflexo de todas as incongruências que carreguei ao longo da vida. A menina rebelde, que gritava por controle, agora silencia diante da mulher que entende o valor do desapego. Ele foi o último vendaval. Um amor turvo, entre o apego e a destruição. Ele me feriu em lugares onde ninguém havia chegado — sem filtros, sem freios, sem cuidado. Um homem que, talvez, nunca tenha aprendido a amar uma mulher… ocupado demais tentando sobreviver à sombra da ...

O INVISÍVEL VISTO

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Sempre fui atravessada por sonhos lúcidos demais para serem apenas delírios noturnos. Eram visões densas, carregadas, que tocavam minha pele etérea e reverberavam por cada célula do meu existir. Eu os sentia com a carne e com o espírito. As vozes... traziam timbres ancestrais, vibravam como cordas de um outro tempo, e diziam verdades que a mente acordada não ousava traduzir. Ali, naquele sobrado esquecido de escuridões e memórias, eu reconhecia o cenário de minhas outras fugas noturnas. Dona Rosa não podia me abandonar — ela, minha guardiã de outrora, meu farol nos becos da inconsciência. Mas ele... ele me esperava. Ele queria me ver definhar. Machucar. Queria calar esse meu brilho que acendia sua sombra. Meu dom de sentir revelava-lhe tormentos. E talvez... também sonhos. Foi ali que o despertar se deu: paralisada entre mundos, acordada por dentro e presa por fora. Eu sabia... não era pesadelo — era travessia. E do outro lado, aquele ser me via sem máscaras, sem nome, sem carne. Via m...

No dedilhado dele

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No dedilhado dele, eu me desfazia, desnudada de mim. Como podia me arrastar para dentro de seus sons sem sequer me tocar? Um feitiço invisível, um chamado irresistível. A boca desenhava promessas no ar, a língua falava segredos que eu só poderia decifrar em silêncio. O grave do seu baixo reverberava em minha pele, um comando sem palavras, uma potência que me dobrava sem resistência. E eu, perdida e entregue, voltava a viver ali, no pulsar da sua música. Eu dizia—e ainda digo—que o baixo toca o coração. Mas por que o universo escolheu justo você para tocar o meu? Fantasioso, platônico, como deve ser uma paixão que se alimenta do inalcançável. Sua dança no instrumento era um convite à vertigem. Eu queria ser aquela curva, aquela corda. Lamber sua alma com os olhos, pois seu olhar hipnotizou o caos dentro de mim. E então, sua água me trouxe de volta à terra. Ainda respiro, ainda ardo. Com seus dreads como raízes no vento, com seu ritmo embalado em doçura e tempestade. Eu, um e...

Sou numa noite, espectro.

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Não sou do seu clã. Não caibo aqui. Nem ali. Sou um espectro entre mundos, um esboço desalinhado no traço fino da conveniência. Não vim para caber no seu suposto querer. Sou do toma lá, dá cá—mas minhas moedas são farpas e meus trocos, facas cegas. Não mereço seu tempo, seu olhar... Muito menos sua disposição. Meu reflexo nem sequer vale o espelho em que se deforma. Nunca vali. A fuga sempre me seguiu como sombra leal, sussurrando promessas de esquecimento. Se não corro, afundo. Se fico, me afogo. Melhor ir, antes que me entupa de ilusões baratas vestidas de amor, esses trajes de segunda mão que sempre caem mal no corpo da verdade. Nasci com uma navalha entre os dedos, aparando excessos, cortando sentimentos envenenados. Separando a carne podre da fantasia romântica. Mas quem sou eu? O que são minhas palavras, senão ecos surdos de um pedido de socorro que ninguém ouve? Buscando o salvador da minha pátria. Buscando o salvador da minha libido, soterrada sob camadas de ódio e medo. D...

Elementar Natural

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A brisa me leva como um friso leve da existência. O vento, impalpável e feroz, revela a potência do invisível. Nas minhas tempestades – chuvas, trovões – me encaixo nas rachaduras da vida, sou sopro e fúria, força ensurdecedora que impõe respeito. Como Mainha, sou transformação, sou transmutação. Oh, dona dos ventos, rainha dos raios, sigo teu rastro. No mar, me acolho. Me dissolvo no oceano cósmico. No princípio de tudo, no fluxo pulsante da química da criação. Admiro sua cor, sua grandiosidade, sua transparência que engana, seu temperamento indomável. Leveza, destreza, um movimento único, arrepiado pelo vento. No mar, me deixo levar. No mar, me encontro no lar. Na terra, encontro firmeza. Seu cheiro invade minha alma. Ela cuida, nutre, se entrega sem reservas. Me extasio em sua lama viva, que pulsa, renova, recria. Diante dela, sou pequena, um bebê diante do grande ancestral. As árvores crescem, silenciosas, mas cheias de sabedoria, raízes profundas, braços erguidos, se...

A combustão do não-ser

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  Tenho estado em ebulição, uma urgência latejante com a vida. Sem rimas, sem lirismo. A parte que me coube foi suportar o insuportável, porque talvez a anestesia da calma seja um tédio ainda maior. E se algo me fosse cobrado, pagaria noutra existência—devedora de normas, refém de condutas. Cansei de ser escolhida pelos olhos alheios, de ser medida, validada, selada como pertencente. Mas a que preço? Um eco eterno dentro de mim. Olhei para a lua rubra e ela fervia como meu sangue. Então ardi, incendiei-me como o próprio sol. Dissociei. Rasguei os protocolos da conduta. Não quero mais caber. Não quero mais moldar, superar, ajustar-me ao encaixe ilusório de uma melhora perpétua. Abandonei os dogmas modernos da existência e encontrei apenas cacos—tão distantes da projeção que fazem de mim. Despedaçada, incômoda, intragável. Uma dissidência ambulante, mal-amada por princípio. Talvez o amor seja só uma miragem, e aceito esse incêndio interno porque prefiro a combustão à enfermidade. A d...